Sim, eu sei dessa sensação de delícia com os lábios ressequidos, rasgados, à flor do sangue. Mas, de forma distinta, isso me vem da lembrança do frio atroz do inverno sulista. Acordar nas primeiras horas do dia, tudo muito escuro, e caminhar para a escola tendo por companhia o vento fustigante e a densa neblina que impedia de enxergar mais do que dois passos adiante do nariz. Em algumas manhãs, podia-se ver o céu muito limpo e ainda reluzindo estrelas. Mesmo assim, o vento sem piedade cortava os lábios, rachava as mãos, enregelava o nariz e as orelhas. Nas manhãs muito úmidas até mesmo as crianças pareciam velhos; o corpo, recém saído das cobertas, padecia, encurvado de frio, mesmo sob os casados de lã pesada. Minha memória me traz essa lembrança aguda dos lábios rachados. E da sensação dos meus próprios dedos acariciando a pele ferida, latejante de dor. Mas nem nos piores dias havia muitos resmungos ou queixas. Talvez, aqui, a delícia residisse no entendimento secreto desse “martírio” como o testemunho de coragem e resistência herdadas dos antepassados imigrantes com sua teimosia em abrir caminhos e construir vida numa terra estranha. Assim, certas vezes, me ponho a sorrir diante da imagem no espelho: minha cara eslava também é muito brasileira!
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