Esses textos de Ádina Mirza, pseudônimo de uma jornalista brasileira, transcrevem idéias, memórias e percepções de uma de suas FACETAS! que poderiam ser enviadas assim como mensagens breves em garrafas... Ao atravessar massas de água – rios, mares, lagos e oceanos virtuais –, essas mensagens buscam o encontro de outro Ser – “concordante ou discordante” – que, talvez, queria redigir também sua mensagem e jogar a garrafa de volta, lançando, nesse universo de bits, outras idéias, memórias, percepções...

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Mensagens para Byra! - 9, Madrugadas...

Também gosto das noites profundas, quase sem luz, e das madrugadas com leves rumores. Na inteireza do âmago da noite posso escolher o que melhor me apetece: uma música, um livro, o ruído do vento ou o simples silêncio – quase completo, redondo, pleno. Algumas madrugadas mostram-se tão ternas que até o “barulhar” rouco de cães ao longe parece transcendental. E a chegada em casa, depois das “baladas” acadêmicas... Eu gostava de sair e gostava muito mesmo era de chegar em casa, da conversa em voz baixa – risos e histórias entre uma mordida no biscoito e um gole de café fresquinho... Heresia: tomar café pra ir dormir... (hahahahaa). Anos depois, mais gostoso: tomar banho pra fazer amor, devagar, na madrugada e, depois, dormir recostada no vão do braço dele recendendo um pouquinho a trans-piração e sabonete.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Mensagens para Byra! - 8, Noite...

Eu sei – ou algum “lugar” dentro de mim conhece – que a noite no deserto é outro caminho, contraditório. Sóbrio, mas acolhedor. Frio, mas suave. Apesar da crueza do ambiente, penso que há algo de tocante em um deserto, especialmente à noite, talvez porque – me parece – a luminosidade reflita melhor diferentes texturas e a amplidão ofereça a idéia de passagem. Olha aí, outra vez: passagem -> caminho.
Lembro-me de inúmeras vezes em que sonhei (acordada) dormir no deserto como faziam os caubóis desbravadores do Oeste americano. Um cavalo, uma fogueira, um café aguado no bule e a sela por travesseiro... É preciso se fazer deserto para ouvir o murmúrio da noite e conhecer seus segredos.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Mensagem para Byra! - 7, Dia...

Meu cravo, meu cheiro, meu peixe voador,
Retorno aos seus escritos. Imprimi vários e, na folga, leio um bocadinho uma hora e outra. Algumas vezes, anoto uma palavra, arrisco um desenho (mal feito), começo um comentário... é como um diálogo permanente, ainda que com pausas – horas ou dias. Ouvindo Lhasa – no disco La Llorona – lembrei dos textos Dia e Noite...

Dia
He venido al desierto para reírme de tu amor...
que el desierto és más tierno y la espina besa mejor
He venido a ese centro de la nada p’a gritar
que tu nunca mereciste lo que tanto quize dar...
He venido yo corriendo, olvidandome de ti...
Dáme un beso, pajarillo y no te asustes, colibrí
He venido encendida al desierto p’a quemar
porque l’ alma prende fuego cuando deja de amar...(El Desierto)
Ela fala do deserto como refúgio e catarse. Sua voz – espanhol arrastado, omitindo fonemas – e o ritmo da percussão me envolvem. Já sofri, chorei, ri e quis me vingar ao ouvir essa música. Mas acabo sempre achando muita graça – da dramaticidade toda: letra, cantora e melodia. E também das minhas intenções. Acho que o mundo seria muito melhor se todo mundo ouvisse (muito) mais música e dançasse sozinho no escuro, de vez em quando... E se tivesse paciência de encontrar esse deserto – como ninho de repouso e renovação – dentro de si mesmo.

domingo, 15 de junho de 2008

Outra delícia

Sim, eu sei dessa sensação de delícia com os lábios ressequidos, rasgados, à flor do sangue. Mas, de forma distinta, isso me vem da lembrança do frio atroz do inverno sulista. Acordar nas primeiras horas do dia, tudo muito escuro, e caminhar para a escola tendo por companhia o vento fustigante e a densa neblina que impedia de enxergar mais do que dois passos adiante do nariz. Em algumas manhãs, podia-se ver o céu muito limpo e ainda reluzindo estrelas. Mesmo assim, o vento sem piedade cortava os lábios, rachava as mãos, enregelava o nariz e as orelhas. Nas manhãs muito úmidas até mesmo as crianças pareciam velhos; o corpo, recém saído das cobertas, padecia, encurvado de frio, mesmo sob os casados de lã pesada. Minha memória me traz essa lembrança aguda dos lábios rachados. E da sensação dos meus próprios dedos acariciando a pele ferida, latejante de dor. Mas nem nos piores dias havia muitos resmungos ou queixas. Talvez, aqui, a delícia residisse no entendimento secreto desse “martírio” como o testemunho de coragem e resistência herdadas dos antepassados imigrantes com sua teimosia em abrir caminhos e construir vida numa terra estranha. Assim, certas vezes, me ponho a sorrir diante da imagem no espelho: minha cara eslava também é muito brasileira!

terça-feira, 10 de junho de 2008

É o mesmo mistério...

De alguma forma, partilhamos sensações. O encantamento pelo solo árido, arenoso, rude, quase ingrato. Amo desertos, embora (ainda) não os tenha conhecido pessoalmente... Deles tenho essa percepção de coisa já vista e amada. Recordo a memória de uma amiga chilena que morou no Marrocos – tempos de Pinochet, pai dissidente – e ia, vez ou outra, com o pai, a irmã e um guia dormir em pleno deserto. Eu ficava “viajando” com o relato sobre os ruídos, o vento, a areia, e os movimentos dos pequenos animais. A noite, dizia ela, é bem outra no deserto. Outra sensação, outra viagem, outra verdade, outra dimensão. Mistério. Então me lembro de Clarissa Pinkola Estés, terapeuta junguiana, a cantadora de histórias (é isso mesmo: ela se diz can-ta-do-ra) mais fantástica que já li. Lembro da catadora de ossos. Uma velha solitária e sábia, vestida de farrapos, que mora no deserto e vagueia, dia após dia, pelas areias em busca de ossos. Cada achado é reunido sobre uma mesa grande de madeira, ossinho por ossinho, até formar o esqueleto completo de um lobo que, subitamente, em noite de lua cheia, forma carne, toma vida, salta ao chão e corre em direção ao deserto profundo. Sob a luz da lua, em um determinado momento, o rastro do lobo deixa entrever, no mesmo movimento, a silhueta majestosa de uma mulher... Hoje, também me sinto a catadora. Ainda não velha, nem tão sábia, mas determinada a reunir todos os meus ossos de loba. Aqui, a busca pelo “céu” também acontece sob o sol inclemente e as areias escaldantes, desta vez do inconsciente: redenção.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Ia ser uma alegria...

Uma alegria imensa. Quase tão grande quanto essa do reencontro. E do reconhecimento da paixão também por sua fala virtual, que me conta um pouco da sua história, seu mundo, suas coisas, seus amores. E fica fácil me identificar com seus sentimentos e sensações. Esquisito isso de “se ouvir na palavra do outro”. Esquisito e delicioso. Sempre é uma surpresa se ver revelada de forma tão intensa em outro Ser. Como quando você fala do dia e da noite no sertão. É tão lindo e forte que me comove profundamente, me atravessa o coração.