Esses textos de Ádina Mirza, pseudônimo de uma jornalista brasileira, transcrevem idéias, memórias e percepções de uma de suas FACETAS! que poderiam ser enviadas assim como mensagens breves em garrafas... Ao atravessar massas de água – rios, mares, lagos e oceanos virtuais –, essas mensagens buscam o encontro de outro Ser – “concordante ou discordante” – que, talvez, queria redigir também sua mensagem e jogar a garrafa de volta, lançando, nesse universo de bits, outras idéias, memórias, percepções...

terça-feira, 22 de julho de 2008

As Mensagens para Byra numa só vez!!!

Meu cravo, meu cheiro, meu peixe voador,

Eis-me, aqui, então, mais de vinte anos depois... pode alguém re-apaixonar? Sei, não. Coisa doida. Dia desses, noite chata, TV ligada... uma chamada de programa, dois nomes conhecidos, mas pouco lembrados nos meus últimos tempos. Meu Deus, que saudade, quanto tempo! Quanto mesmo? Época de faculdade, bicudos tempos... final de ditadura, à beira da re-democratização(?) e a gente ouvia MPB até mesmo como “prova” de cidadania e patriotismo. A gente tentava (ainda) entender as letras do Chico e se imaginava – como quase todo estudante de jornalismo da época – que o nosso trabalho seria alicerçar – com muita informação “consciente” – um novo tempo. Não sei bem que novo tempo construímos nessa última vintena... Mas eu lembro bem de sua figura: baiano – que eu pensava mineiro – cabeludo, com sorriso de Mona Lisa. Isso tudo me atraía secretamente, mas eu resistia à tentação... Não, meu superego duro de interiorana modesta e católica revidava que homem mesmo tinha que usar cabelo curto, roupa adequada e, de preferência, ter ambição bem definida: trabalhar muito, ganhar dinheiro, casar, ter filhos... Você era exótico demais pra mim que – ousadia! - escolhera uma profissão “muito diferente” para o padrão da família... Minha decisão de sair de casa para estudar e trabalhar - aos quinze! – já me parecia rebeldia bastante... Mas meu olho esticava – compriiido – para a tela da tevezinha (casa de recém-formada) quando sua figura ousava me aparecer num Som Brasil ou algo assim: bo-ba-gem, eu teimava comigo mesma, mas o pé, animado, acompanhava o ritmo de Sobradinho....

Então...

Andei por aqui e ali, e um pouco mais adiante, mas fiquei aqui. E, nos últimos anos, me veio essa vontade de olhar novamente meus guardados e ir buscar (minhas) verdades – coisas de sexto setênio, diz a médica antroposófica. Como é que você me aparece assim na cara/corpo de outro? Coisa esquisita! A princípio, nem suspeitei. Ainda estava longe de chegar ao fundo do baú de guardados. Bem, não era “você”. Não era mesmo. Demorou um pouco, mas, enfim, percebi. Estava quase “te esquecendo no outro” quando outra vez, na TV, agora maiorzinha, me aparece você ao vivo e em cores: os cabelos ainda longos (benza, Deus!) e com o sorriso de sempre... Lindo, lindo... Mas quieto. Não fosse pra cantar e você nem abriria a boca... Mas cantou lindamente: “Nunca mais quero ver você me olhar sem me ver em mim...” Nunca. Não dava mesmo pra ficar sem te ver. Não desta (daquela) vez.

E daí?
Aumentou a curiosidade: re-apaixonar é assim, querer saber tudinho, e rapidinho, o que aconteceu nos últimos anos em que “andamos à parte”: como, quando, por quê... E, mais ainda: aonde te encontrar? Entrar na internet, pesquisar, gastar horas vendo fotos, reportagens, textos... Saciar a paixão, agora assumida, e sentir-se próxima de alguma forma, ainda que seus escritos – belos, fortes, densos – também revelem a paixão por outra... quem seria essa, talvez a espanhola chorosa ou, mais certamente, a morena cor de cinamomo, que teria bebido o mel do mar contigo? Ai, que dó, que azar como diria Chicó! Quem mandou nascer longe, dezessete anos depois, tão tímida, e, ainda por cima, branca como cera de vela?

Tsc, tsc, tsc...
Sem chance, garota, me diz a (má) sorte. Só pode ser a sorte má porque destino não faz assim. Aliás, nem acredito em destino... Mas, reparando bem, talvez seja melhor: meu olhar maduro percebe o seu encanto de outra forma. A paixão é atenta, mas o desejo de proximidade aparece brando e compreensivo: quem sabe, algum dia, eu possa chegar como quem não quer nada, passinhos miúdos, olhar tímido, pernas bambas de emoção e encaixar meu “metro e sessenta e quatro de baixaltura” justinho debaixo do seu queixo num abraço elíptico, carinhoso e demorado. E eu poderia esticar minhas mãos para sentir devagarzinho, com a ponta dos dedos, a geografia do seu rosto e a textura dos seus cabelos (Ah, sempre eles, meu cravo, meu cheiro! Longas investidas contra a solidão, meu peixe voador! Aí meu desejo assoma violento, à moda Wando: eu queria me enroscar toda nos seus cabelos, te beijar inteiro...).

Ia ser uma alegria...
Uma alegria imensa. Quase tão grande quanto essa do reencontro. E do reconhecimento da paixão também por sua fala virtual, que me conta um pouco da sua história, seu mundo, suas coisas, seus amores. E fica fácil me identificar com seus sentimentos e sensações. Esquisito isso de “se ouvir na palavra do outro”. Esquisito e delicioso. Sempre é uma surpresa se ver revelada de forma tão intensa em outro Ser. Como quando você fala do dia e da noite no sertão. É tão lindo e forte que me comove profundamente, me atravessa o coração.

É o mesmo mistério
De alguma forma, partilhamos sensações. O encantamento pelo solo árido, arenoso, rude, quase ingrato. Amo desertos, embora (ainda) não os tenha conhecido pessoalmente... Deles tenho essa percepção de coisa já vista e amada. Recordo a memória de uma amiga chilena que morou no Marrocos – tempos de Pinochet, pai dissidente – e ia, vez ou outra, com o pai, a irmã e um guia dormir em pleno deserto. Eu ficava “viajando” com o relato sobre os ruídos, o vento, a areia, e os movimentos dos pequenos animais. A noite, dizia ela, é bem outra no deserto. Outra sensação, outra viagem, outra verdade, outra dimensão. Mistério. Então me lembro de Clarissa Pinkola Estés, terapeuta junguiana, a cantadora de histórias (é isso mesmo: ela se diz can-ta-do-ra) mais fantástica que já li. Lembro da catadora de ossos. Uma velha solitária e sábia, vestida de farrapos, que mora no deserto e vagueia, dia após dia, pelas areias em busca de ossos. Cada achado é reunido sobre uma mesa grande de madeira, ossinho por ossinho, até formar o esqueleto completo de um lobo que, subitamente, em noite de lua cheia, forma carne, toma vida, salta ao chão e corre em direção ao deserto profundo. Sob a luz da lua, em um determinado momento, o rastro do lobo deixa entrever, no mesmo movimento, a silhueta majestosa de uma mulher... Hoje, também me sinto a catadora. Ainda não velha, nem tão sábia, mas determinada a reunir todos os meus ossos de loba. Aqui, a busca pelo “céu” também acontece sob o sol inclemente e as areias escaldantes, desta vez do inconsciente: redenção.

Outra delícia
Sim, eu sei dessa sensação de delícia com os lábios ressequidos, rasgados, à flor do sangue. Mas, de forma distinta, isso me vem da lembrança do frio atroz do inverno sulista. Acordar nas primeiras horas do dia, tudo muito escuro, e caminhar para a escola tendo por companhia o vento fustigante e a densa neblina que impedia de enxergar mais do que dois passos adiante do nariz. Em algumas manhãs, podia-se ver o céu muito limpo e ainda reluzindo estrelas. Mesmo assim, o vento sem piedade cortava os lábios, rachava as mãos, enregelava o nariz e as orelhas. Nas manhãs muito úmidas até mesmo as crianças pareciam velhos; o corpo, recém saído das cobertas, padecia, encurvado de frio, mesmo sob os casados de lã pesada. Minha memória me traz essa lembrança aguda dos lábios rachados. E da sensação dos meus próprios dedos acariciando a pele ferida, latejante de dor. Mas nem nos piores dias havia muitos resmungos ou queixas. Talvez, aqui, a delícia residisse no entendimento secreto desse “martírio” como o testemunho de coragem e resistência herdadas dos antepassados imigrantes com sua teimosia em abrir caminhos e construir vida numa terra estranha. Assim, certas vezes, me ponho a sorrir diante da imagem no espelho: minha cara eslava também é muito brasileira!

Nenhum comentário: