terça-feira, 10 de junho de 2008
É o mesmo mistério...
De alguma forma, partilhamos sensações. O encantamento pelo solo árido, arenoso, rude, quase ingrato. Amo desertos, embora (ainda) não os tenha conhecido pessoalmente... Deles tenho essa percepção de coisa já vista e amada. Recordo a memória de uma amiga chilena que morou no Marrocos – tempos de Pinochet, pai dissidente – e ia, vez ou outra, com o pai, a irmã e um guia dormir em pleno deserto. Eu ficava “viajando” com o relato sobre os ruídos, o vento, a areia, e os movimentos dos pequenos animais. A noite, dizia ela, é bem outra no deserto. Outra sensação, outra viagem, outra verdade, outra dimensão. Mistério. Então me lembro de Clarissa Pinkola Estés, terapeuta junguiana, a cantadora de histórias (é isso mesmo: ela se diz can-ta-do-ra) mais fantástica que já li. Lembro da catadora de ossos. Uma velha solitária e sábia, vestida de farrapos, que mora no deserto e vagueia, dia após dia, pelas areias em busca de ossos. Cada achado é reunido sobre uma mesa grande de madeira, ossinho por ossinho, até formar o esqueleto completo de um lobo que, subitamente, em noite de lua cheia, forma carne, toma vida, salta ao chão e corre em direção ao deserto profundo. Sob a luz da lua, em um determinado momento, o rastro do lobo deixa entrever, no mesmo movimento, a silhueta majestosa de uma mulher... Hoje, também me sinto a catadora. Ainda não velha, nem tão sábia, mas determinada a reunir todos os meus ossos de loba. Aqui, a busca pelo “céu” também acontece sob o sol inclemente e as areias escaldantes, desta vez do inconsciente: redenção.
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